domingo, 19 de julho de 2015

Arte e design. Como a arquitetura cria espaços únicos.

Nosso comentário: O fantástico trabalho da arquitetura no Brasil, se deve em primeiro lugar ao histórico de liberdade e ousadia dessa arte no pais, citados Brasilia e tantas outras obras e ao conteúdo renovador das principais universidades. É muito bonito ver jovens com tamanha criatividade e capacidade técnica porque arquitetura além de arte, é engenharia.



Arquitetos do GrupoSP desenham residência em São Paulo com cuidadoso controle de vãos e de entradas de luz
Por Rafael Urano Frajndlich Fotos Nelson Kon
Edição 256 - Julho/2015

A residência na cidade de São Paulo segue os parâmetros que marcam o todo das obras do GrupoSP: busca de uma beleza estrutural, objetividade no uso de materiais e articulação do espaço que destaca aspectos da vida de seus moradores.

Vista de fora, a casa já demonstra os seus materiais estruturais: paredes de concreto e vigas de aço. Um brise de chapas metálicas horizontais filtra a luz com um sistema denso de aberturas, o que cria um curioso jogo de vultos escuros dentro da casa: abajures, mobiliários, esculturas e outros objetos aparecem no primeiro plano por cima do muro de acesso. Em uma habitação feita em lote urbano, é comum que algumas áreas sejam preenchidas por penumbras e sombras. O GrupoSP enfrentou este problema num jogo de cheios, vazios, transparências e opacidades que fazem das penumbras uma protagonista em si, de modo que, no limite, radicalizam-se as sensações espaciais, podendo-se supor que a casa é feita pela articulação de concreto, aço e sombras.
Abrindo-se a porta de acesso, feita de chapas metálicas, adentra-se no pequeno pátio de entrada, preenchido com as espécies determinadas pelo paisagista Raul Pereira. Atravessando o portão, nesta posição, pode-se ver toda a extensão da casa e o muro de fundo, numa perspectiva da qual se intui o tamanho todo do lote, sobretudo pela porta de entrada da casa ser de vidro e pela ausência de veículos estacionados no recuo frontal, posto que aos carros foi aberto um subsolo.
Dentro, tem-se a surpresa: o corredor de acesso que distribui os programas é ladeado por um mobiliário desenhado sob medida em chapas metálicas que resolve uma estante de livros que corre toda a face da casa. Um rasgo zenital faz com que entre uma fria luz por cima das estantes, deixando esta ala escura, quase como uma cella, ou como o setor de livros raros de uma biblioteca.
Mais do que um local para armazenar volumes, os planos metálicos servem como suporte ao acervo cultural da casa: nichos são moldura para as pinturas de Tomie Ohtake, ornam com outras obras instaladas nas paredes adjacentes e uma escultura de Bruno Giorgi.
Com um artifício estrutural - o recuo da laje antes de encontrar a parede limítrofe do terreno - os arquitetos conseguiram preencher com a estante metálica toda esta face da casa. Os proprietários procuraram deixar os livros relacionados às suas profissões nos seus escritórios, deixando na casa apenas volumes que atestam a espessura de seus interesses: na penumbra pela qual se circula, salta à vista lombadas de distintas obras, como uma edição americana das Passagens do filósofo Walter Benjamin, um exemplar do Cosmos de Carl Sagan, as memórias que Niemeyer escreveu em As curvas do tempo.
A estante chega até a sala, onde seus usos se tornam mais frugais: com um engenhoso sistema de portas tipo camarão, armazenam o televisor. Uma sucessão de armários baixos, no nível dos pés, encerra uma lareira, que mal se consegue ver quando apagada, de tão esforçado foi o seu detalhamento, para que não se sobressaísse diante da estante.
A luz do recuo de fundo inunda a sala de estar, e fez dela um entremeio com as alas externas, onde espécies baixas convivem com uma escultura de Amílcar de Castro. O andar superior tem um recorte nesta ala, deixando que a iluminação natural entre também pelo alto da sala, criando diferentes matizes de luz banhando o concreto armado aparente, desenhando por sombras os limites da área de jantar dos sofás e canapés de convivência.
Dois pequenos jardins dão apoio a esta parte da residência: um no quintal dos fundos e outro ocupando parte do recuo lateral, no qual uma pesada mesa de madeira e metal comprada num antiquário contrasta com a empena lateral de concreto armado. Nas áreas externas, empilhadas à maneira dos livros e obras de arte do interior, espécies de plantas se prendem nos muros por jardins verticais, uma biblioteca natural.
A cozinha é resolvida sem rodeios, em linha, num duplo mais iluminado do corredor da estante. A circulação vertical é feita por um sistema de escadas sobrepostas e um elevador hidráulico, que vence os três andares da casa e seu subsolo. Nesta área da residência, a escuridão é quase total, chegando ali apenas um pouco de luz natural pelo alto. A escada é feita por placas de concreto vazadas, fixadas em duas empenas.
No primeiro pavimento, dois quartos simétricos contêm um amplo closet e suíte, na qual os arquitetos reforçaram os jogos de escuro e claro utilizando pastilhas cinza-escuro. O mobiliário dos dormitórios também foi feito sob medida, mas desta vez de marcenaria, com placas de compensado naval aparentes, em uma singeleza que contrasta com as densas placas metálicas perfuradas que servem como proteção ao sol. Se de fora elas diluem os cheios e vazios de luz, por dentro elas filtram a vista do bairro residencial que envolve a casa, enviando a vista do céu e das árvores que marcam o miolo da quadra.
Entre os brises e o dormitório, um estrado metálico em gradil eletrofundido cria uma estreitíssima varanda, que se confunde com uma área de manutenção, formando um espaço incomum entre piso e fechamento.
No andar mais alto, uma academia de ginástica ampla marca a parte mais iluminada da casa: como um ginásio linear, distribuem-se diversos objetos para a prática de exercícios físicos, servidos por dois terraços externos que permitem uma vista desobstruída da paisagem, como um ponto de interrupção do jogo de sombras que marca os andares inferiores.
Recém-entregue, os arquitetos fazem um balanço positivo do desenho desta residência de alto padrão, a mais elaborada com que tiveram de lidar, inserindo detalhes como elevadores, desenhando muitos encontros de materiais e sistemas que, atualmente, são exigidos por este tipo de programa. O GrupoSP tem suas contribuições em projetos de variadas escalas - como o projeto do Sebrae em Brasília (AU 204), os edifícios residenciais desenhados em São Paulo, como o Simpatia (AU 207), e em residências unifamiliares, como a casa no Morro do Querosene (AU 190). Independentemente do tamanho dos edifícios, é visível o ponto de convergência das pesquisas do grupo, que congrega distintas gerações de arquitetos em um esforço de fazer uma especialidade sempre surpreendente pautada por grandes gestos.
Nesta nova casa, pode-se ver novas fronteiras pelas quais os profissionais se aventuram, sobretudo pela construção das sombras, que se tornaram um gesto em si, tão marcante quanto os planos de concreto aparente, as delgadas vigas metálicas e o preciso desenho da planta.

CONCRETE, STEEL AND SHADOWS
The residence in the City of São Paulo follows the parameters that mark GrupoSP's constructions: the search for structural beauty, objectivity in the use of materials and the articulation of space, which highlights the living aspects of its dwellers. Seen from the outside, the house shows its structural materials right away: concrete walls and steel beams. A brise of horizontal metal sheeting filters the light with a dense opening system, which creates a curious game of dark figures inside the house. On entering the gate, in this position, the full extension of the house and the perimeter wall in the back can be seen, in a perspective that allows an insight on the full size of the lot. Inside, there is a surprise: the access corridor that distributes the rooms is lined by costumed designed metal sheeted furnishing that resolves a book case that runs the entire face of the house. A zenithal slit allows cold light to enter from above the book cases, leaving this wing dark, almost like the rare book section in a library. The book case runs all the way to the living room, where its uses become more frugal: with um resourceful system of folding doors that store the television. The light from the nook in the back floods the living room. The top floor has a cutout in this wing, allowing natural lighting to also enter from above. On the bottom floor, the dense perforated metal plates serve as protection to the soil. If they dilute the projections and hollows of light on the outside, on the inside, they filter the view of the borough that surrounds the house. Between the brises and the bedroom, a base of electroplated metal grating creates a very narrow porch, forming an unusual space between the floor and the closure.